segunda-feira, 5 de outubro de 2009
João Melo
“A língua portuguesa é um troféu de guerra”
Luandino Vieira
A poetisa portuguesa
Sophia de Mello Breyner
gostava de saborear
uma a uma
todas as sílabas
do português do Brasil.
Estou a vê-la:
suave e discreta,
debruçada sobre a varanda do tempo,
o olhar estendendo-se com o mar
e a memória,
deliciando-se comovida
com o sol despudorado
ardendo
nas vogais abertas da língua,
violentando com doçura
os surdos limites
das consoantes
e ampliando-os
para lá da História.
Mas saberia ela
quem rasgou esses limites,
com o seu sangue,
a sua resistência
e a sua música?
A libertação da língua portuguesa
foi gerada nos porões
dos navios negreiros
pelos homens sofridos que,
estranhamente,
nunca deixaram de cantar,
em todas as línguas que conheciam
ou criaram
durante a tenebrosa travessia
do mar sem fim.
Desde o nosso encontro inicial,
essa língua, arrogante e
insensatamente,
foi usada contra nós:
mas nós derrotámo-la
e fizemos dela
um instrumento
para a nossa própria liberdade.
Os antigos donos da língua
pensaram, durante séculos,
que nos apagariam da sua culpada consciência
com o seu idioma brutal,
duro,
fechado sobre si mesmo,
como se nele quisessem encerrar
para todo o sempre
os inacreditáveis mundos
que se abriam à sua frente.
Esses mundos, porém,
eram demasiado vastos
para caberem nessa língua envergonhada
e esquizofrénica.
Era preciso traçar-lhe
novos horizontes.
Primeiro, então, abrimos
de par em par
as camadas dessa língua
e iluminamo-la com a nossa dor;
depois demos-lhe vida,
com a nossa alegria
e os nossos ritmos.
Nós libertámos a língua portuguesa
das amarras da opressão.
Por isso, hoje,
podemos falar todos
uns com os outros,
nessa nova língua
aberta, ensolarada e sem pecado
que a poetisa portuguesa
Sophia de Mello Breyner
julgou ter descoberto
no Brasil,
mas que um poeta angolano
reivindica
como um troféu de luta,
identidade
e criação.
2009
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
Yara
Na margem de cá o dia ainda começa quente e vai abafando ao longo das horas. O tal do Outono ainda não chegou ou pelo menos só oficialmente e nós lá vamos aproveitando os últimos raios quentes de sol antes de hibernarmos.
Desde que comecei a fazer o mestrado em Noticia e Documentário na Universidade de Nova Iorque, os dias parecem ter encurtado e o tempo parece já não esperar por mim. Agora sou eu tenho que andar sempre atrás dele e sem que me tivesse apercebido naturalmente e inconscientemente comecei a correr exactamente como os nova-iorquinos que eu tanto criticava.
Corre para aqui e para lá, entra no metro sai do metro, carrega a câmara e volta a descarregar… mas no meio de tanta lufa lufa, ontem finalmente arranjei um tempinho para fazer o que me aptecesse e assim o fiz.
A propósito da assembleia geral da ONU que começou esta semana aqui em Nova Iorque e da presença dos ilustres presidentes, o trânsito que geralmente pouco flui agora está estagnado…enfim mas o que queria dizer é que a propósito da reunião, estão na cidade várias autoridades e personalidades e ontem fui assistir a uma palestra na minha universidade de um deles.
Jerry John Rawlings ex presidente da república do Ghana e sua esposa Nana Konadu . Confesso que pouco sabia sobre ele. Acostumada ao protocolo e aos longos discursos dos nossos líderes africanos fiquei impressionada com a informalidade, a clareza e a paixão visceral com que ele falou sobre os problemas de África e as possíveis soluções.
Como Africana de Moçambique, sai da palestra com um sentido de orgulho e com a auto estima lá em cima por ser daquele continente e ao mesmo tempo com uma ânsia e pressa de voltar logo e colocar as mãos na massa. Foi aí que me dei conta que afinal tudo o que faço e que tenho vindo a fazer nestas quase 3 breves décadas de vida, é sempre com intuito de um dia voltar...voltar para margem de lá.
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Jonuel Gonçalves
Faleceu Fernando Costa Andrade, deputado e escritor angolano. Pelas características deste blog é seu papel como intelectual que retemos aqui ao receber a noticia de seu falecimento em Lisboa, onde estava em tratamento e onde tinha vivido nos anos 50 e começo de 60, como estudante e animador da Casa dos Estudantes do Império que, entre outras coisas, editou vários textos literários daqueles anos de relançamento da literatura angolana e de algumas outras do conjunto que hoje designamos por PALOP.
Nessa altura, Costa Andrade participou de duas importantes antologias elaboradas por Carlos Ervedosa, tambem falecido. Quando ambos vinham a Luanda em férias encontravam-se com uma tertúlia literaria baseada na Sociedade Cultural e no café "Monte Carlo", da qual participavam poetas tambem falecidos como Antonio Jacinto, Antonio Cardoso e João Abel e outros intelectuais que continuam vivos e ativos, como Adolfo Maria, Luandino Vieira e Arnaldo Santos.
Alguns adolescentes, então estudantes secundaristas acompanhavam algumas conversas da tertúlia e liam algumas das sua produções, datilografadas. Entre eles eu e isso acentuou minha vontade de escrever.
A última vez que vi Costa Andrade foi no lançamento do meu "Café Gelado" no largo da LAC, há um ano atrás e as ultimas noticias sobre sua doença tive há cerca de dois meses pelo F Baião.
domingo, 20 de setembro de 2009
David Capelenguela
David Capelenguela, ou simplesmenteDC
David Capelenguela
David Capelenguela, algures em Angola entre Namibe-Lubango-Ondjiva e algumas vezes em Luanda por razoes de estudo. Apaixonado pela literatura, amante da poesia com alguma influencia da chamada geracao de 80, a conhecida como essencialmente geracao de Lopito Feijo, Joao Maimona, Paula Tavares, Jose Luis Mendonça.
Gosto de andar, viajar por ai alem, algumas vezes ate com algum prazer de me sentir meio perdido numa determinada cidade, quiça para ativar o sentido e a sensaçao de descobrimento...???....
Ok, estou por ca hoje em Luanda, mas amanha ja em Obdjiva-Cunene, embora entre margens, mas com a certeza de que estamos juntos
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
Jonuel Gonçalves


Alem disso, gosto de fronteiras pela sensação de mundo que me dão.
É por estes simples motivos que me considero residente simultaneo no Rio de Janeiro e em Ondjiva.
No Rio tenho as multidões, tenho as livrarias, as praias, o Mengão e uma diversidade que me faz sentir sempre na travessia de fronteiras. Em Ondjiva tenho uma fronteira geografica a 40 km, Omupanda a 14 km, a natureza por todos os lados e tenho todo o tempo para elaborar trabalhos que, em geral, depois concretizo no Rio.
Foi assim com minha tese sobre água, foi assim com o "Café Gelado". Sempre que vou a Ondjiva venho com novas ideias. Sempre que volto ao Rio escrevo as ideias.
A ideia deste blog começou em Ondjiva em papos com o David. Sua concretização deu-se no Rio ou a partir do Rio em conversas com a Monica e o Waldir.
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
Waldir Araújo

Rompe com mesquinhos
Inverte esta desordem
Cães ruidosos não mordem
Vento, sopra de avesso
Sem poeira nem arremesso
Todo esse querer é livre
Livre, com garras de tigre
Entoa o tal cântico
Que desafia o mítico
Atravessa o deserto
Vai, destino incerto!
Revoluciona o tal verbo
Da palavra, torna-te servo
Do horizonte, fita o futuro
Por fim, salta do muro!